fevereiro 25, 2002

Faroeste Caboclo - Legião Urbana

"- Não tinha medo o tal João de Santo Cristo."
Era o que todos diziam quando ele se perdeu.
Deixou p'ra trás todo o marasmo da fazenda
Só p'ra sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu.


Quando criança só pensava em ser bandido
Ainda mais quando com um tiro de soldado o pai morreu.
Era o terror da cercania onde morava,
Na escola até o professor com ele aprendeu.


Ia p'ra igreja só p'ra roubar o dinheiro
Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar.
Sentia mesmo que era mesmo diferente,
Sentia que aquilo ali não era o seu lugar.


Ele queria sair para ver o mar
E as coisas que ele via na televisão.
Juntou dinheiro para poder viajar.
Escolha própria, escolheu a solidão.


Comia todas as menininhas da cidade,
De tanto brincar de médico, aos doze era professor.
Aos quinze foi mandado p'ro reformatório
Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror.


Não entendia como a vida funcionava,
Descriminação por causa da sua classe, sua cor.
Ficou cansado de tentar achar resposta
E comprou uma passagem, foi direto a Salvador.


E lá chegando foi tomar um cafezinho,
Encontrou um boiadeiro com quem foi falar.
E o boiadeiro tinha uma passagem e ia perder a viagem
Mas João foi lhe salvar.


Dizia ele: "- Estou indo p'ra Brasília,
Nesse país lugar melhor não há.
'Tô precisando visitar a minha filha,
Eu fico aqui e você vai no meu lugar."


E João aceitou sua proposta
E num ônibus entrou no Planalto Central.
Ele ficou bestificado com a cidade,
Saindo da rodoviária viu as luzes de Natal.


"- Meu Deus, mas que cidade linda.
No Ano Novo eu começo a trabalhar."
Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro.
Ganhava cem mil por mês em Taguatinga.


Na sexta-feira ia p'ra zona da cidade
Gastar todo seu dinheiro de rapaz trabalhador.
E conhecia muita gente interessante
Até um neto bastardo do seu bisavô.


Um peruano que vivia na Bolívia
E muitas coisas trazia de lá.
Seu nome era Pablo, ele dizia
Que um negócio ele ia começar.


E o Santo Cristo até a morte trabalhava
Mas o dinheiro não dava p'ra ele se alimentar.
E ouvia às sete horas o noticiário
Que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar.


Mas ele não queria mais conversa
E decidiu que, como Pablo, ele iria se virar.
Elaborou mais uma vez seu plano santo
E sem ser crucificado, a plantação foi começar.


E logo, logo os maluco da cidade souberam do novidade
"- Tem bagulho bom aí!"
E João de Santo Cristo ficou rico
E acabou com todos traficantes dali.


Fez amgos, freqüentava a Asa Norte,
Ia p'ra festa de rock p'ra se libertar.
Mas de repente, sob uma má influência
Dos boyzinho da cidade, começou a roubar.


Já no primeiro roubo ele dançou
E p'ro inferno ele foi pela primeira vez.
Violência e estupro do seu corpo:
"- Vocês vão ver, eu vou pegar vocês!"


Agora o Santo Cristo era bandido
Destemido e temido no Distrito Federal.
Não tinha nenhum medo de polícia,
Capitão ou traficante, playboy ou general.


Foi quando conheceu uma menina
E de todos seus pecados ele se arrependeu.
Maria Lúcia era uma menina linda
E o coração dele p'ra ela, o Santo Cristo prometeu.


Ele dizia que queria se casar
E carpinteiro ele voltou a ser.
"- Maria Lúcia, p'ra sempre vou te amar
E um filho com você eu quero ter."


O tempo passa e um dia vem na porta
Um senhor de alta classe com dinheiro na mão.
E ele faz uma proposta indecorosa
E diz que espera uma resposta, uma resposta do João.


"- Não boto bomba em banca de jornal,
Nem em colégio de criança, isso eu não faço, não!
E não protejo general de dez estrelas
Que fica atrás da mesa com o cú na mão.


E é melhor o senhor sair da minha casa,
Nunca brinque com um peixes de ascendente escorpião!'
Mas antes de sair, com ódio no olhar, o velho disse:
"- Você perdeu sua vida, meu irmão!"


Você perdeu a sua vida, meu irmão.
Você perdeu a sua vida, meu irmão.
"- Essas palavras vão entrar no coração.
Eu vou sofrer as conseqüências como um cão."


Não é que o Santo Cristo estava certo
Seu futuro era incerto e ele não foi trabalhar.
Se embebedou e no meio da bebedeira
Descobriu que tinha outro trabalhando no seu lugar.


Falou com o Pablo que queria um parceiro
E também tinha dinheiro e queria se armar.
Pablo trazia o contrabando da Bolívia
E o Santo Cristo revendia em Planaltina.


Mas acontece que um tal de Jeremias,
Traficante de renome, apareceu por lá.
Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo
E decidiu que com João ele ia acabar.


Mas Pablo trouxe uma Winchester 22
E o Santo Cristo já sabia atirar.
E decidiu usar a arma só depois
Que o Jeremias começasse a brigar.


E o Jeremias, maconheiro sem-vergonha,
Organizou a rockonha e fez todo mundo dançar.
Desvirginava mocinhas inocentes,
Se dizia que era crente mas não sabia rezar.


E o Santo Cristo há muito não ia p'ra casa
E a saudade começou a apertar.
"- Eu vou me embora, eu vou ver Maria Lúcia,
Já 'tá em tempo de a gente se casar."


Chegando em casa então ele chorou
E p'ro inferno ele foi pela segunda vez.
Com Maria Lúcia Jeremias se casou
E um filho nela ele fez.


E o Santo Cristo era só ódio por dentro e então
Jeremias p'rum duelo ele chamou.
Amanhã às duas horas, na Ceilândia,
Em frente ao lote catorze e é p'ra lá que eu vou.


E você pode escolher as suas armas
Que eu acabo mesmo com você, seu porco traidor!
E mato também Maria Lúcia, aquela menina falsa
P'ra quem jurei o meu amor!


E o Santo Cristo não sabia o que fazer
Quando viu o repórter da televisão
Que deu notícia do duelo na tevê,
Dizendo a hora e o local e a razão.


No sábado então, às duas horas,
Todo o povo, sem demora, foi lá só p'ra assistir
Um homem que atirava pelas costas
E acertou o Santo Cristo, que começou a sorrir.


Sentindo o sangue na garganta,
João olhou p'ras bandeirinhas e p'ro povo a aplaudir.
E olhou p'ro sorveteiro e p'ras câmeras da gente da tevê
Que filmavam tudo ali.


E se lembrou de quando era uma criança
E de tudo que vivera até ali.
E decidiu entrar de bem naquela dança.
"- Se a via crucis virou circo, estou aqui."


E nisso o sol cegou seus olhos
E então Maria Lúcia ele reconheceu.
Ela trazia a Winchester 22,
A arma que seu primo Pablo lhe deu.


"- Jeremias, eu sou homem, coisa que você não é
E não atiro pelas costas, não.
Olha p'ra cá, filha da puta, sem-vergonha,
Dá uma olhada no meu sangue e vem sentir o teu perdão!"


E o Santo Cristo, com a Winchester 22,
Deu cinco tiros no bandido traidor.
Maria Lúcia se arrependeu depois,
E morreu junto com João, seu protetor.


O povo declarava que João de Santo Cristo
Era Santo porque sabia morrer.
E a alta burguesia da cidade não acreditou
Na história que eles viram na tevê.


E o João não conseguiu o que queria
Quando veio p'ra Brasília com o diabo ter.
Ele queria era falar com o presidente
P'ra ajudar toda essa gente que só faz...


Sofrer....

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